terça-feira, 16 de outubro de 2007

Teatro do Mundo

Fala do homem nascido


(Chega à boca da cena, e diz:)

Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

António Gedeão

Lindo, este poema. E deixo-o aqui superiormente cantado por Adriano Correia de Oliveira. Faz hoje 25 anos que partiu.

A música é de José Niza.


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3 comentários:

joaquim disse...

Lindissimo!!!
Sem mais palavras...

António Gedeão fez-me um exame no Liceu Pedro Nunes, salvo o erro...mas não foi em verso.

Abraço

André A. Correia disse...

Vamos revendo estas coisas que nos deixam alegres...

Abraço amigo.

Sandra Dantas disse...

É realmente lindo!!!
Obrigada, não o conhecia!

Um abraço amigo!